A situação real da educação e das escolas é marcada por fortes contradições, que levam freqüentemente à existência de um grande fosso entre o discurso político que sustentam e as práticas efetivas. É sobre essas contradições, sobre esse fosso, que é preciso trabalhar para transformar verdadeiramente a escola, a sociedade, o mundo. Isto supõe um método, que consiste em duplo questionamento, cada um desses questionamentos convergindo para outro:
Primeira questão, para o político:
O que significam especificamente os princípios políticos que defendo?
Que conseqüências têm em termos de construção de escolas, de equipamento, de financiamento, de formação e de salário dos professores, de definição de programas e de currículos, de condições de estudo e de avaliação dos alunos?
Isso é possível hoje? Se não é possível o que se deve fazer para que se torne possível, que programa de ações (pensado no tempo, com suas prioridades e seu financiamento) é preciso pôr em prática para realizar meu projeto político, em sua forma pedagógica?
Segunda questão, para os diretores de escola e para professores:
O que significam politicamente as minhas ações pedagógicas?
Dar continuidade a elas, mesmo quando alguns alunos não as compreendem, é democrático, é congruente com minhas escolhas políticas?
Fazer os alunos decorarem frases ou, pior ainda, fazê-los aprender frases que saberão recitar, mas contem palavras que não entende, corresponde ao meu modelo de cidadão em uma democracia?
Passar tarefas para fazer em casa ou, pior ainda, passar tarefas inteligentes, que supõe que o aluno procure em livros ou mesmo na Internet, é uma atitude democrática, quando alguns alunos contam com recursos em casa e com pais que poderão ajudá-los, em quanto outros não?
Não será por milagre que se mudará a escola, por um toque de varinha mágica, mas por um trabalho paciente, difícil, honesto.
Se o que se pretende é verdadeiramente construir uma escola democrática, para um mundo mais justo e mais solidário, será preciso enfrentar essas contradições. Será difícil, mas é isso que vale a pena. É isso que define o militante: a consciência de seus valores e a capacidade de defendê-los em seus discursos, bem como a capacidade de enfrentar as contradições para inserir seus valores na realidade social. E se estamos reunidos aqui, pelo segundo ano consecutivo, é justamente para transformar a realidade, para transformar a escola, à luz de nossos valores.
* Trecho de texto apresentado em forma de conferência no 2° Fórum Mundial de Educação, Porto Alegre (RS), 22/01/ 2003